LITERATURA PARA O VESTIBULAR
UFSC 2006
A LEGIÃO ESTRANGEIRA
Resumo da obra de Clarice Lispector
Clarice Lispector estréia, no conto, em 1952, com "Alguns Contos",
conjunto de
textos escritos na década de 40. Em 1960, surge a obra "Laços
de Família"; em
1964, Clarice lança "A Legião Estrangeira". Os 13 contos
de A legião estrangeira abordam o cotidiano familiar, a perversidade
infantil e a solidão. Como apontou o escritor Affonso Romano de Sant'Anna
na introdução de uma antiga edição do livro, para
Clarice Lispector importa mais a geografia interior. "Ao invés de
tipos épicos e dramáticos, temos figuras situadas numa aura de
mistério, vivendo relações profundas dentro do mais ordinário
cotidiano", escreveu. "Mais do que as aventuras, interessa-se por
descrever a solidão dos homens diante dos animais e objetos." Entre
os contos destaca-se "Viagem a Petrópolis", escrito quando
Clarice tinha apenas 14 anos. Neste, a precoce escritora narra a absurda solidão
de uma velhinha que, sem lugar para morar, é empurrada de uma casa para
outra. E o leitor perceberá em "Os desastres de Sofia" uma
história de transparente sensibilidade, em que a autora aborda a perversidade
infantil por meio do relacionamento de uma aluna com seu professor. A vulnerabilidade
dos animais diante dos homens, e vice-versa, está presente em "A
quinta história", "Macacos" e ainda em "A legião
estrangeira". Como também apontou Affonso Romano de Sant'Anna, a
tensão nos contos de Clarice surge da oposição Eu X Outro,
que pode ser um animal, uma criança ou uma coisa. "Dessa tensão
é que surge a epifania, a revelação de uma certa verdade."
O primeiro conto do livro é "O ovo e a Galinha". Se parece
mais com a uma
dissertação sobre o mistério do ovo. Mas sendo algo entre
a crônica e o conto
ou um simples texto sem classificação, pouco tem daquela organização
que
encontramos no poema "O Ovo da Galinha", de João Cabral de
Melo Neto.
"O Ovo e a Galinha" começa com uma frase em que se identifica
o tempo, o espaço
e o narrador da história: "De manhã na cozinha sobre a mesa
vejo um ovo". Em
seguida todos esses referenciais começam a ser desmantelados: "Imediatamente
percebo que não se pode estar vendo um ovo. Ver um ovo nunca se mantém
no
presente: mal vejo um ovo e já se torna ter visto um ovo há três
milênios." O
assunto inicial, o ovo, vai desdobrando-se e multiplicando-se com o desenrolar
do texto. Definido como "tratado poético sobre o olhar", pelo
crítico José
Miguel, ou como "meditação", por Benedito Nunes, "O
Ovo e a Galinha" é um texto
que alarga os limites da obra literária e, embora apresente os elementos
básicos de uma narrativa, faz pensar sobre o que é preciso exatamente
para
contar uma história, coisa que de fato não ocorre em seu caso.
Já "A Quinta História" relata uma história, a
de como matar baratas, em cinco
versões, o que leva ao questionamento sobre as muitas formas de marrar
um fato,
o que incluir, o que excluir, e como um mesmo fato pode originar histórias
muito diferentes. Nesse conto encontra-se a reflexão sobre o fazer literário
que acompanha os contos de Clarice Lispector desde o livro de 52. As várias
histórias com princípio semelhante, mas tomando direções
diferentes confirmaria
o que a própria autora disse em "Os Desastres de Sofia" - algumas
histórias se
fazem como fios de tapete e, na verdade, uma estória se faz com o enredamento
de muitas histórias.
O conto "Os desastres de Sofia" tem sua unidade temporal - o tempo
da parte mais essencial - na admiração de um professor pela redação
de uma aluninha de nove anos de idade. É o momento mágico em que
Sofia descobre o que é o amor, lá na origem perturbadora desse
sentimento que é o grande desejo de toda a humanidade.
A aluna Sofia sente aparente aversão ao seu professor, mas como ele não
a olha e age como uma pessoa temerosa diante dela, Sofia fica atraída
pelo prazer de espicaçá-lo e sempre faz o que acha ruim para ele.
Escrevendo uma redação, ela acaba por, inocentemente, afirmar
que a
felicidade está dentro de cada um, é inútil procurá-la
fora de si. Após ler, o
professor fica tão encantado com o texto de Sofia que a chama a sós
na sala de
aula e lhe confessa sua admiração pelo texto; e, por extensão,
pela jóia que
Sofia precisava ter no coração para definir tão bem a felicidade.
Bem
assustada, Sofia aprende o que é o amor e como ele habita no coração
humano.
Isto a leva a sentimentos que jamais esquecerá. Principalmente quando,
aos
treze anos, fica sabendo que esse professor morrera: "Perplexa (...) eu
perdia
meu inimigo e sustento."
Sobre a autora:
Clarice Lispector nasceu em 1920, na Ucrânia. Chegou ao Brasil com os
pais e duas irmãs em 1922. Sua família residiu primeiramente em
Maceió e depois em Recife, onde Clarice passou a infância. Perdeu
a mãe em 1930 e, três anos depois, seu pai mudou-se com as filhas
para o Rio de Janeiro.
Em 1943, Clarice iniciou sua carreira literária com Perto do coração
selvagem, que acabou projetando seu nome entre os escritores da Geração
de 45. A autora lança, em 1960, Laços de família, seu primeiro
livro de contos. A Hora da estrela, de 1977, foi seu último romance publicado
em vida. Clarice morreu de câncer, no dia 9 de dezembro de 1977, um dia
antes de completar 57 anos.